Autor de 'Pingos de Amor', Paulo Diniz lança música inédita
- 26/02/2020
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Aos 80 anos, cantor e compositor tem clipe lançado em primeira mão pelo 'Estado'; filme 'Paulo Diniz: No Oco do Mundo', tem depoimentos de admiradores como Zeca Baleiro
Paulo Diniz pede que a reportagem volte a ligar para ele dali a 15 minutos. "É que estou comendo uma bela carne de sol", justifica. No telefonema seguinte, o artista pernambucano que completou 80 anos no mês passado diz ter motivos para manter a alegria, apesar dos problemas de saúde que enfrenta. "Estou feliz aqui no Nordeste, com o vento batendo, comendo minha carne de sol em um lugar lindo para se viver."
Utilizando uma cadeira de rodas para se locomover, Diniz passa a maior parte do tempo em seu apartamento no bairro de Boa Viagem, no Recife, e faz sessões periódicas de hemodiálise por conta de uma esquistossomose contraída em um banho de rio no interior de Minas, de onde era a família da esposa. As circunstâncias fizeram com que ele abandonasse os palcos nos últimos anos, mas o contato com a música permanece.
Acompanhado por nomes da atual cena pernambucana, Diniz lança A Música da Minha Vida. A faixa ganhou videoclipe veiculado em primeira mão pelo site do Estado. É a primeira de várias iniciativas que devem estimular a reabilitação de sua obra a partir de 2020.
Inscrito em festivais, o documentário Paulo Diniz: No Oco do Mundo vai retratar a trajetória singular do autor de sucessos como Pingos de Amor, Quero Voltar pra Bahia e Um Chope Pra Distrair, todas em parceria com o baiano Odibar, já falecido. Zeca Baleiro está na lista de admiradores que deram depoimento para o filme. Uma biografia escrita pelo jornalista José Teles também está nos planos.
Pensando em fazer um documentário sobre Diniz, o diretor Max Levay pediu ajuda ao baixista Fernando Patricio, amigo de ambos. "Quem procurar coisas de Paulo, até mesmo material fotográfico, fica estagnado nos anos 1970. Achei que era necessário fazer um registro da obra dele", afirma Levay.
Paulo Diniz canta 'Pingos de Amor'
Depois de conquistar a confiança do artista em relação ao documentário, Levay e Patricio tiveram a ideia de chamar o cantor e percussionista Jam da Silva para produzir uma nova música assinada por Diniz. "Eles chegaram aqui em casa e me disseram que o Jam era muito bom. Daí a pouco começamos a tocar uma coisinha. É uma ligação de poucos meses, mas bastante intensa. Acho ele muito vigoroso e criativo", conta Diniz.
Ele tem mesmo razão em elogiar o produtor. Com belo arranjo destacando a percussão baseada no maracatu e os vocais de Jam, Erica Natuza, Lua Costa e Erick Amorim no refrão, A Música da Minha Vida fala da relação de Diniz com o ofício da composição. Rodado em preto e branco, o clipe tem imagens captadas no Recife e em Pesqueira, cidade do agreste pernambucano onde o artista nasceu, e registros da gravação da faixa.
Para o documentário, Diniz revelou a história de algumas canções representativas da carreira. É o caso de Piripiri. Ele visitou a cidade piauiense quando a emissora de rádio em que trabalhava estava abrindo uma filial no município. Guardou a sonoridade do nome e achou que daria uma boa música, escrita com Odibar tempos depois.
A inspiração para o título do filme vem de Oco do Mundo, gravada em 1976 no disco Estradas. "Ouvi a música e me encantei. Me transmitiu a sensação do lugar dele como artista no passado, durante a carreira e agora no presente", reflete Levay. "Sou do oco do mundo/não perdi, nem achei/e sempre rimarei/com nada e com tudo", diz trecho da letra.
Os bastidores de Estradas, aclamado pela crítica na época do lançamento, são contados no filme. Com orquestrações e regência de João Donato, o disco começou a ser concebido durante uma viagem de cerca de 40 dias que Diniz fez com o amigo letrista Juhareiz Correya, entrevistado para o documentário.
Em meados dos anos 1970, Diniz decidiu deixar o Rio e voltou para Pernambuco. Ele convidou Correya para ir a pé do Recife a Juazeiro do Norte, cidade onde Padre Cícero morou e de quem a mãe de Diniz era devota. As músicas que entraram no disco foram feitas durante a caminhada.
Trajetória. Diniz era de família pobre e foi engraxate. Depois, tornou-se radialista. Demitido da Rádio Jornal do Commercio por ter entrado no ar durante uma edição do programa Repórter Esso e errado a pronúncia de palavras em inglês, foi trabalhar como locutor em emissoras do Rio e gravou uma música que aproveitava a estética da Jovem Guarda, O Chorão.
Depois de se mudar para o Solar da Fossa, casarão com pequenos apartamentos onde moravam artistas que buscavam um lugar ao sol, ficou próximo de Paulo Leminski. O poeta curitibano deu-lhe o mote de uma música que tocou nas rádios no início dos anos 1970, Ponha Um Arco-Íris na Sua Moringa.
Mas Diniz se consagrou com Quero Voltar pra Bahia, em que se colocava no lugar do então exilado Caetano Veloso. No primeiro disco que fez em Londres, o baiano retribuiu a homenagem incorporando versos da música em If You Hold a Stone. Levay vai usar no documentário um vídeo de show em que Caetano cita Diniz e canta Quero Voltar pra Bahia.
Caetano Veloso canta 'Quero Voltar Pra Bahia' em show
Leitor de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar, Diniz experimentou transformar poesia em música. A primeira gravada foi José, de Drummond, que se tornou indispensável no repertório do artista. Ele e o poeta mineiro, no entanto, jamais se cruzaram. "Hoje eu ouço José e vejo que fiz um belo trabalho musical. Havia uma história de que Drummond não conseguia mais ler o poema, ele cantava a música", conta Diniz, que também musicou Vou-me Embora pra Pasárgada, de Bandeira, e Bela Bela, trecho do Poema Sujo de Gullar - esta incluída no álbum É Marca Ferrada (1978), feito um ano antes de o grupo Viva Voz lançar outra versão musicada por Milton Nascimento.
Paulo Diniz canta 'José', baseada no poema de Carlos Drummond de Andrade
A convivência com Diniz foi definitiva na carreira de Marcelo Sussekind. Com currículo contabilizando produções de Ana Carolina, Capital Inicial e Os Paralamas do Sucesso, ele tocou guitarra e baixo nos sete discos que Paulo fez para a gravadora Odeon. "Eu era muito jovem e fizemos algo que era diferente para a época. Foi a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Eu tinha uma cabeça de roqueiro e fui pra um outro lado, de uma coisa brasileira. Tenho muita saudade dele", relembra Sussekind, afirmando lamentar que Diniz seja menos reconhecido do que deveria.
Teles, que ainda está conversando com Diniz sobre a possibilidade de uma biografia, conta que as músicas de Paulo permanecem na memória afetiva do grande público, mas poucos associam a autoria delas ao cantor e compositor.
Afirmando ser difícil avaliar qual o lugar que ocupa na música brasileira, Diniz apenas diz ser um artista comprometido com suas origens. "Não posso negar de maneira alguma que sou nordestino, a cabeça não deixa. Fico muito lisonjeado quando sou comparado a companheiros como Zé Ramalho, Belchior e Fagner".